quarta-feira, 8 de abril de 2015

Pão do Dia - Mais Vele um Cão Vivo do que um Leão Morto - Parte 1

A passagem que traz essa afirmação categórica está no Livro de Eclesiastes 9:4. Antes de a considerarmos propriamente é importante que nos lembremos de quem a escreveu: Salomão - o homem a quem Deus deu a maior de todas as porções de sabedoria e que conhecia, como ele mesmo dizia, todos os mistérios e ciências, de modo que tal afirmação, vinda de quem veio, evoca a sabedoria mais profunda e não ao que chamaríamos "filosofia de boteco". 
Isto posto vamos tentar dissecar as verdades nela contidas.... Desde logo começamos com uma aparente incongruência entre  a afirmação de Salomão feita de maneira tão (chamaríamos de) pragmática em contraposição ao que temos em mente com relação à toda a Palavra de Deus que nos incita a sermos pessoas nobres, de valor interior e estatura moral.... Ora, tomando como símbolos O Cão - como tipificação do que é trivial, comum e sem valor; e O Leão - como sendo a tipificação da nobreza, do orgulho e da majestade, a afirmação feita em Eclesiastes parece colocar por terra a pregação geral da Palavra, mas veja, só parece! O que se propõe aqui não é absolutamente a demolição de valores como a nobreza interior  e a honra pessoal, colocando em seu lugar as trivialidades e banalidades - simbolizadas pelo cão - mas sim, o enaltecimento da própria vida acima de qualquer outro valor que o homem possua. 
Quando diz que "mais vale / do que" ele está dizendo duas coisas: 
_ Que numa escala quantitativa a vida se sobrepõe a qualquer atributo que está embutido nela própria - isso parece até óbvio - como algum atributo que só pode existir se existir vida poderia ser mais importante que a própria vida? 
_ Que em uma linha de tempo, as virtudes vão parando, uma após a outra enquanto a vida avança pra além de todas elas e, em última análise é o que nos resta

Qual é então a mensagem que Salomão pretendeu nos passar nesta forte afirmação? 
A mensagem é de que não podemos jamais utilizarmos a nobreza como pretexto para abrirmos mão da vida, seja qual for a relação estabelecida entre essas duas forças - a vida sempre estará com a preferência. Poderíamos dar dezenas de exemplo, mas apenas para tomarmo um: O de uma pessoa que, por nobre que se enxergue profissionalmente pelos cursos que fez e o know how que adquiriu ao longo de sua carreira, recusa-se terminantemente a trabalhar numa posição inferior à que ele mesmo se atribuiu como "o mínimo aceitável" e faz isso ao mesmo tempo em que padece de necessidades práticas terríveis, carregado do convencimento de sua nobreza não consegue operar as coisas mais simples da vida. Quando alguém faz isso, mantem-se em sua posição de um leão, porém morto, ao invés de aceitar da vida suas ofertas sem valorar tanto assim as coisas nesses termos. E o cão? desprezível aos olhos desse primeiro, sem qualidades, porém engajado, de modus operandi tosco, mas engajado, sem conhecimentos nem  tanta consciência, mas engajado, se tantas virtudes morais, mas engajado... Esse vai pra vida, vive, aceita a vida e, no fim das contas, é isso que acaba se sobrepondo.
Posições são boas quando significam alguma substância real, caso contrário são apenas a carceragem feita de ilusões para o leão morto.

Pra encerrar, deixo o verso de Calderón de la Barca o qual já citei em outras postagens e que tem tudo a ver com a idéia central de Eclesiastes e que mostra que mandar e reger são apenas posições enquanto que sofrer e padecer são vida de verdade! 

"Já sei que, se para ser o homem, escolher pudera, ninguém o papel quisera do sofrer e padecer; todos quiseram fazer o de mandar e reger, sem advertir e sem ver que, em ato tão singular, aquilo é representar mesmo ao pensar que é viver."            
(Calderón de la Barca)





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