segunda-feira, 23 de março de 2015

A Igreja Etimológica

αώ Se eu começasse o nosso assunto de hoje perguntando: O que é igreja? Certamente nós teríamos uma diversidade incrível de respostas que no fim das contas se resumiriam a umas três ou quatro compreensões padrão a respeito dessa palavra. O primeiro sujeito, provavelmente diria de forma quase autômata: “Ora, igreja é o corpo de Cristo”, referindo-se a ela como um organismo espiritual. Outro diria: "igreja é o local onde nos reunimos em tais e tais dias". Já outro diria assim: "igreja sou eu" sem entender na maior parte dos casos o que de fato essa resposta signifique. E talvez alguém, tentando elaborar um pouco mais a resposta diria: "igreja é a comunidade de cristãos onde quer que estejam". 

De fato todas essas respostas estão em parte corretas e, todas elas, sem exceção, incompletas, isso porque tratam-se apenas de pontos de vistas de um mesmo objeto. O tema "Igreja" em si mesmo é algo tão amplo e complexo que precisamos necessariamente olhá-lo por categorias, sem contudo perdermos de vista a realidade que essas categorias não constituem de modo algum uma divisão classificatória e optativa entre as partes, mas apenas e tão somente a tentativa humana de elaborar esse mistério divino/humano chamado igreja. Um desses pontos de vista que possibilitam a abordagem do fenômeno igreja é a etimologia da palavra e esse é também o ponto de abordagem no qual pretendo me concentrar nessa matéria.

Etimologia é a parte da gramática que trata da história ou origem das palavras e da explicação do significado de palavras através da análise dos elementos que as constituem. Por outras palavras, é o estudo da composição dos vocábulos e das regras de sua evolução histórica.

O que faremos hoje será analisarmos apenas a palavra, o vocábulo igreja e o seu desenvolvimento ao longo do tempo.

Antes de qualquer coisa é importante que dois importantes conceitos fiquem bem claros: O primeiro é que o sentido e significado de uma palavra estão inapelavelmente associados ao contexto histórico, geográfico e temporal em que essa palavra é compreendida. Isso quer dizer que uma palavra pode ter certo sentido ou mesmo intensidade completamente diferentes dependendo do local e época em que é dita. É assim com toda a linguística e não haveria de ser diferente com o vocábulo igreja.

Outra coisa importante é compreendermos que a palavra enquanto vocábulo não é a coisa em si, mas sim um desenho dela, de modo que a palavra pode sinalizar a respeito do objeto em questão, sem que jamais traga a compreensão plena e exata a respeito do mesmo, até porque a plenitude desse entendimento não reside na descrição do objeto ou do fenômeno, senão na interação experiencial e subjetiva que estabelecemos com aquilo que nos propomos a entender. Tome como exemplo uma cadeira: Podemos descreve-la com requintes de detalhes, entretanto jamais tal descrição se poderia comparar ao ato de alguém sentar-se, tocar ou simplesmente olhar para ela. Tais atos, até o mais simples, o de apenas olhar, já constitui uma experiência absolutamente subjetiva e incomparável à qualquer descrição que se possa fazer. Isso acontece por uma razão muito simples: A linguística tem a finalidade de descrever, jamais a pretensão de ser o objeto que descreve. Sobre isso já dizia Aristóteles: “A palavra cão não morde”, demonstrando dentre outras coisas que o objeto de estudo e os termos que o descrevem não são a mesma coisa.

Isto posto vamos ao nosso vocábulo! Igreja é uma palavra de origem grega eklesia que significava assembleia, designando todos os tipos de assembleias populares, mas sobre tudo as que aconteciam para discussões políticas e de fins legislativos. Sendo assim, a palavra já existia antes mesmo de Jesus pronuncia-la pela primeira vez (pelo menos em registros bíblicos) no Evangelho de Mateus:

Mateus 16: 17 Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus. 18 Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.

Note que Jesus não se refere à igreja no sentido geral ou legislativo que ela sinalizava ate então, Ele diz de maneira muito especifica e contundente: “a minha igreja”, e completa situando “a Sua igreja” como aquela contra a qual as forças espirituais do inferno não poderiam jamais prevalecer. Fica evidente que Jesus, embora usando o mesmo vocábulo, não estava falando da mesma coisa.
O significado e o entendimento da palavra igreja mudam a partir disso, pelo menos para os discípulos de Jesus (atemporalmente). Ela passa a ser entendida num sentido indissociável com o próprio Jesus, ou seja, não existe igreja, neste sentido místico, espiritual sem a figura de Jesus Cristo. O que ate este momento era a designação de qualquer encontro de pessoas, a partir de Jesus ganha o sentido do encontro de Jesus em cada pessoa e igreja passa a ser entendida por todos como o Corpo místico de Jesus Cristo presente na vida de cada um de Seus discípulos onde quer que estejam. Os ajuntamentos citados no Novo Testamento, sobretudo no livro dos Atos dos Apóstolos, de casa em casa, em locais do templo e nas sinagogas, posteriormente ate em catacumbas não eram a formação da igreja, mas sim o ajuntamento da igreja que já existia misticamente tendo em Cristo o seu elo central e abrangente e, por isso mesmo se congregava. Já aqui diferenciamos nitidamente o significado entre igreja e o ato de congregar: o ato de congregar só tem sentido porque a igreja existe, caso contrário os ajuntamentos teriam apenas sentidos sociais e políticos como eram designados pela própria palavra eklesia anteriormente a Cristo, ou seja, é igreja, mas sem a presença de Jesus o que espiritualmente significa: Nada!

Até o este ponto temos duas diferentes definições para o significado linguístico da palavra igreja: O primeiro é o significado grego do vocábulo que é anterior a Jesus. O segundo, o significado de igreja conferido pelo próprio Senhor como sendo o Seu Corpo místico, dotado de autoridade e essência e do qual todos nós fazemos parte e, pelo fato de fazermos parte é que também podemos nos definir como tal, ou seja, quando alguém diz “eu sou igreja”, essa afirmação só estará correta e ajustada à realidade se a sua perspectiva for a de quem faz parte de um corpo que carrega a mesma essência e, portanto tal pessoa está inserida nesse corpo. Caso contrário, tal afirmação será apenas um delírio megalômano.

Temos ainda um terceiro significado para a mesma palavra que foi ganhando contornos com o passar do tempo. Como sabemos, a igreja (no sentido que Jesus a definiu) passou por diversas fases em seus primórdios, sendo em sua maior parte de perseguição acirrada e violenta por parte do império romano. Contudo, durante o período de quase 300 anos, mais especificamente até o ano 324 a.D. (ou d.C.), mesmo debaixo dessa condição adversa, a igreja cresceu e multiplicou-se extraordinariamente até alcançar um volume de pessoas que constituía já quase a metade do império, mesmo que ate então não existisse um só templo cristão, as pessoas reuniam-se em qualquer lugar que fosse possível reunir-se. Em 324 d.C. o Imperador Constantino funda o cristianismo (palavra ate então nunca empregada para designar os discípulos de Jesus) e o decreta como religião oficial do império, conferindo aos cristãos alivio em suas perseguições e impostos ao mesmo tempo em que funde doutrinas cristãs apostólicas com todos os elementos possíveis e imagináveis do paganismo e dá inicio à construções de grandes catedrais que perduraria até aos dias de hoje. Portando desse ponto da historia em diante surgem dois novos conceitos:

1) O de associar igreja a local de culto, pois os locais de culto de Constantino foram chamados de igrejas;
2) O próprio termo cristianismo que é, por definição, um sistema (tudo o que traz o sufixo ismo define um sistema). Sistema esse que reduz formidavelmente o que significa ser alguém em Cristo

Sendo assim temos hoje diversos possíveis entendimentos para o significado do vocábulo igreja e cada um desses significados possui uma origem e um porquê. Quem pensa em igreja como local de reunião está pensando com categorias constantinianas (e nem sabe disso), não defendo com isso que se deva abolir a prática de se chamar o local da reunião de cristã de igreja, desde que se não atribua ao local a beatificação que não lhe é cabida. Assim como o que define igreja como sendo ele próprio, também pode fazê-lo desde que não incorra na arrogância de imaginar que tal afirmação possa ser feita desassociada da condição de pertencimento a um corpo espiritual constituído de outras almas como a dele próprio. E, por fim, ao que chama igreja de Corpo de Cristo, embora esteja alinhado com a definição que o próprio Senhor deu à igreja, não deve fazer tal declaração como um cacoete, alienado ao seu significado mais amplo. αώ
 


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