αώ Se eu começasse o nosso assunto de hoje perguntando:
O que é igreja? Certamente nós teríamos uma diversidade incrível de respostas
que no fim das contas se resumiriam a umas três ou quatro compreensões padrão a
respeito dessa palavra. O primeiro sujeito, provavelmente diria de forma quase
autômata: “Ora, igreja é o corpo de Cristo”, referindo-se a ela como um
organismo espiritual. Outro diria: "igreja é o local onde nos reunimos em
tais e tais dias". Já outro diria assim: "igreja sou eu" sem
entender na maior parte dos casos o que de fato essa resposta signifique. E
talvez alguém, tentando elaborar um pouco mais a resposta diria: "igreja é
a comunidade de cristãos onde quer que estejam".
De
fato todas essas respostas estão em parte corretas e, todas elas, sem exceção,
incompletas, isso porque tratam-se apenas de pontos de vistas de um mesmo
objeto. O tema "Igreja" em si mesmo é algo tão amplo e complexo que
precisamos necessariamente olhá-lo por categorias, sem contudo perdermos de vista a realidade que essas categorias não constituem de modo algum uma divisão
classificatória e optativa entre as partes, mas apenas e tão somente a tentativa
humana de elaborar esse mistério divino/humano chamado igreja. Um desses pontos de vista que possibilitam a abordagem do
fenômeno igreja é a etimologia da palavra e esse é também o ponto de abordagem
no qual pretendo me concentrar nessa matéria.
Etimologia é a parte da gramática que trata da história ou origem das
palavras e da explicação do significado de palavras através da análise dos
elementos que as constituem. Por outras palavras, é o estudo da composição dos
vocábulos e das regras de sua evolução histórica.
O que faremos hoje será analisarmos
apenas a palavra, o vocábulo igreja e
o seu desenvolvimento ao longo do tempo.
Antes
de qualquer coisa é importante que dois importantes conceitos fiquem bem
claros: O primeiro é que o sentido e significado de uma palavra estão
inapelavelmente associados ao contexto histórico, geográfico e temporal em que
essa palavra é compreendida. Isso quer dizer que uma palavra pode ter certo sentido ou mesmo intensidade
completamente diferentes dependendo do local e época em que é dita. É assim com toda a linguística e não haveria de ser diferente com o vocábulo igreja.
Outra
coisa importante é compreendermos que a palavra enquanto vocábulo não é a coisa em si, mas sim um desenho dela, de
modo que a palavra pode sinalizar a respeito do objeto em questão, sem que jamais
traga a compreensão plena e exata a respeito do mesmo, até porque a plenitude
desse entendimento não reside na descrição do objeto ou do fenômeno, senão na
interação experiencial e subjetiva que estabelecemos com aquilo que nos
propomos a entender. Tome como exemplo uma cadeira: Podemos descreve-la com requintes de detalhes, entretanto jamais tal descrição se poderia comparar ao ato de alguém sentar-se, tocar ou simplesmente olhar para ela. Tais atos, até o mais simples, o de apenas olhar, já constitui uma experiência absolutamente subjetiva e incomparável à qualquer descrição que se possa fazer. Isso acontece por uma razão muito simples: A linguística tem a finalidade de descrever, jamais a pretensão de ser o objeto que descreve. Sobre isso já dizia Aristóteles: “A palavra cão não morde”,
demonstrando dentre outras coisas que o objeto de estudo e os termos
que o descrevem não são a mesma coisa.
Isto
posto vamos ao nosso vocábulo! Igreja é uma palavra de origem grega eklesia que significava assembleia, designando
todos os tipos de assembleias populares, mas sobre tudo as que aconteciam para
discussões políticas e de fins legislativos. Sendo assim, a palavra já existia
antes mesmo de Jesus pronuncia-la pela primeira vez (pelo menos em registros
bíblicos) no Evangelho de Mateus:
Mateus
16: 17 Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não
foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus. 18 Também
eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as
portas do inferno não prevalecerão contra ela.
Note que Jesus não se refere à igreja no sentido
geral ou legislativo que ela sinalizava ate então, Ele diz de maneira muito
especifica e contundente: “a minha igreja”, e completa situando “a Sua igreja”
como aquela contra a qual as forças espirituais do inferno não poderiam jamais
prevalecer. Fica evidente que Jesus, embora usando o mesmo vocábulo, não estava
falando da mesma coisa.
O significado e o entendimento da palavra igreja
mudam a partir disso, pelo menos para os discípulos de Jesus (atemporalmente).
Ela passa a ser entendida num sentido indissociável com o próprio Jesus, ou
seja, não existe igreja, neste sentido místico, espiritual sem a figura de
Jesus Cristo. O que ate este momento era a designação de qualquer encontro de
pessoas, a partir de Jesus ganha o sentido do encontro de Jesus em cada pessoa
e igreja passa a ser entendida por todos como o Corpo místico de Jesus Cristo
presente na vida de cada um de Seus discípulos onde quer que estejam. Os
ajuntamentos citados no Novo Testamento, sobretudo no livro dos Atos dos
Apóstolos, de casa em casa, em locais do templo e nas sinagogas, posteriormente
ate em catacumbas não eram a formação da igreja, mas sim o ajuntamento da
igreja que já existia misticamente tendo em Cristo o seu elo central e
abrangente e, por isso mesmo se congregava. Já aqui diferenciamos nitidamente o
significado entre igreja e o ato de congregar: o ato de congregar só tem
sentido porque a igreja existe, caso contrário os ajuntamentos teriam apenas
sentidos sociais e políticos como eram designados pela própria palavra eklesia anteriormente a Cristo, ou seja,
é igreja, mas sem a presença de Jesus o que espiritualmente significa: Nada!
Até o este ponto temos duas diferentes definições
para o significado linguístico da palavra igreja: O primeiro é o significado
grego do vocábulo que é anterior a Jesus. O segundo, o significado de igreja
conferido pelo próprio Senhor como sendo o Seu Corpo místico, dotado de
autoridade e essência e do qual todos nós fazemos parte e, pelo fato de
fazermos parte é que também podemos nos definir como tal, ou seja, quando
alguém diz “eu sou igreja”, essa afirmação só estará correta e ajustada à
realidade se a sua perspectiva for a de quem faz parte de um corpo que carrega
a mesma essência e, portanto tal pessoa está inserida nesse corpo. Caso
contrário, tal afirmação será apenas um delírio megalômano.
Temos ainda um terceiro significado para a mesma
palavra que foi ganhando contornos com o passar do tempo. Como sabemos, a
igreja (no sentido que Jesus a definiu) passou por diversas fases em seus
primórdios, sendo em sua maior parte de perseguição acirrada e violenta por
parte do império romano. Contudo, durante o período de quase 300 anos, mais
especificamente até o ano 324 a.D. (ou d.C.), mesmo debaixo dessa condição
adversa, a igreja cresceu e multiplicou-se extraordinariamente até alcançar um
volume de pessoas que constituía já quase a metade do império, mesmo que ate
então não existisse um só templo cristão, as pessoas reuniam-se em qualquer
lugar que fosse possível reunir-se. Em 324 d.C. o Imperador Constantino funda o
cristianismo (palavra ate então nunca empregada para designar os discípulos de
Jesus) e o decreta como religião oficial do império, conferindo aos cristãos
alivio em suas perseguições e impostos ao mesmo tempo em que funde doutrinas
cristãs apostólicas com todos os elementos possíveis e imagináveis do paganismo
e dá inicio à construções de grandes catedrais que perduraria até aos dias de
hoje. Portando desse ponto da historia em diante surgem dois novos conceitos:
1) O de associar igreja a local de culto, pois os
locais de culto de Constantino foram chamados de igrejas;
2) O próprio termo cristianismo
que é, por definição, um sistema (tudo o que traz o sufixo ismo define um sistema). Sistema esse que reduz formidavelmente o
que significa ser alguém em Cristo
Sendo assim temos hoje diversos possíveis
entendimentos para o significado do vocábulo igreja e cada um desses
significados possui uma origem e um porquê. Quem pensa em igreja como local de
reunião está pensando com categorias constantinianas (e nem sabe disso), não
defendo com isso que se deva abolir a prática de se chamar o local da reunião
de cristã de igreja, desde que se não atribua ao local a beatificação que não
lhe é cabida. Assim como o que define igreja como sendo ele próprio, também
pode fazê-lo desde que não incorra na arrogância de imaginar que tal afirmação
possa ser feita desassociada da condição de pertencimento a um corpo espiritual
constituído de outras almas como a dele próprio. E, por fim, ao que chama
igreja de Corpo de Cristo, embora esteja alinhado com a definição que o próprio
Senhor deu à igreja, não deve fazer tal declaração como um cacoete, alienado ao
seu significado mais amplo. αώ